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auto-terapia

um blog onde escrevo o que sinto e partilho as minhas ideias para quem quiser ler

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Até sempre Tio Necas...


CrisSS

Não é por uma boa razão que regresso à escrita, mas foi este o motivo que me levou a ter uma vontade inadiável de escrever. Às vezes escrevo por indignação, outras vezes por imensa gratidão e, muitas vezes, porque sinto ser a melhor forma de prestar homenagem a quem foi importante na minha vida, e é este o caso...

Ontem recebi a notícia de que já não estava entre nós o meu tio Necas, ou melhor Manuel Rocha, o "Rocha" da família, o único que ostentava esse título orgulhosamente, fazendo justiça às suas origens beirãs, embora ele sempre tenha estado muito bem integrado na vida urbana e bem rendido ao sol e à praia onde fomos muito felizes...

Passei o último ano a pensar que tinha de ir visitar o meu tio e infelizmente não o fiz. É sempre assim: não vamos ver quem devíamos, não telefonamos a quem gostamos, não abraçamos aqueles que amamos, no fundo, deixamos a vida passar sem alimentarmos esses afetos e quando damos conta o quotidiano ultrapassou-nos e já não é mais possível dizermos a essas pessoas o quanto gostamos delas... e é por esta razão que escrevo hoje, porque tenho mais uma vez esta mágoa e acho que não faz sentido continuarmos neste registo do "eu devia ter feito". A vida é nossa, as decisões somos nós que as tomamos, há sempre várias opções possíveis e são uma escolha da nossa vontade. Por isso temos que agir de acordo com o que sentimos e principalmente quando sentimos e não adiar! Nunca adiar, porque pode não haver amanhã...

Isto vale para tudo, claro, mas é muito mais importante quando se trata de pessoas que já estão naquela fase da vida em que o passado parece ter ficado muito lá atrás e as perdas se foram acumulando, deixando um rasto de ausência e de solidão inaceitáveis. Temos que ter tempo para estas pessoas, para aquelas que foram as "nossas" pessoas, pois deixaram a marca do amor e da amizade no nosso coração. Sei que às vezes é difícil, essas pessoas já não são as mesmas, a vida marcou-as de formas estranhas e o que nos juntou no passado parece já não existir, mas é aqui que temos que ter compaixão e dar o melhor de nós, pois se houve afeto, ele deve ser honrado e celebrado,ou não fosse ele, o afeto, a matéria que nos dá vida...

Mas dizendo isto, sei que me dói a forma como envelhecemos aqui no nosso cantinho à beira-mar plantado. Envelhecemos mal, muito mal, é triste, é penoso, é muitas vezes deplorável, o modo como vamos passando os anos, sim, porque nem vida se pode chamar, às vezes... muitas vezes... E não estou só a falar das pessoas muito idosas, não, estou a falar de nós, de mim, da forma como nos deixamos andar e como adiamos o tomar a nossa vida em mãos. Todos os anos dizemos: vou emagrecer, vou fazer yoga, vou deixar de fumar, vou fazer exercício, vou marcar um check up, vou inscrever-me em aulas de dança, vou fazer aquela viagem, vou casar, vou-me separar, vou visitar aquele amigo, vou deixar o emprego, vou mudar de vida... e nada, ano após ano... e a idade avança e, depois, cada vez é mais difícil!

A nossa vida é muito preciosa, sem dúvida, mas ela não faz sentido sem afeto, sem rituais, sem celebrações, sem momentos de amor incondicional, sem laços apertados de amizade, que podem já ter sido muito intensos no passado e não o serem agora, mas isso não importa, pois é dessas memórias de afeto que nos alimentamos.

O meu tio está num desses lugares do meu coração, lá na minha longínqua infância. Lembro-me tão bem da sua voz, da sua pele morena, da sua careca, e tenho marcados de forma indelével, os pic-nics em Sete Casas cheios de mantas e almofadas, as idas à praia à Costa e o regresso já depois do sol se pôr, as caracoletas assadas em chapa de aço aqui na mata em Sto. António, petisco no qual ele era exímio e que diziam que eu comia quando era pequenina (pasme-se), a pequena horta que ele fez debaixo da janela de casa num canteiro, e as inúmeras festas onde ele dançava como ninguém e era o mais divertido e cujas músicas eu sei até hoje e que agora com a sua ausência me vão fazer chorar...

Desculpa, Tio Necas, eu sei que devia ter ido ver-te e gostava muito de ainda ter falado contigo mais um bocadinho, sobre a tua vida, sobre o teu passado lá na terra, sobre tudo o que tu e eu quiséssemos, e gostava mesmo de te ter dado um abracinho apertado e um beijinho especial e, principalmente, de ter ouvido contigo mais uma vez o "Super Trouper" dos ABBA...

RIP