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auto-terapia

um blog onde escrevo o que sinto e partilho as minhas ideias para quem quiser ler

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O que eu herdei do meu pai e da minha mãe...


CrisSS

Ontem o meu pai teve um pequeno incidente de saúde, aparentemente sem gravidade, mas mais uma vez dei-me conta da sua vulnerabilidade e confrontei-me de novo com o facto de que ele não vai ficar cá para sempre...

Era o dia de anos da minha mãe e apesar de ela ser uma pessoa de personalidade muito difícil e pouco acessível, eu nesse dia apenas consegui reter a sua carência extrema e a sua enorme necessidade de afeto, comprovada pela evidência de que começava a chorar sempre que recebia um abraço ou alguma atenção mais particularizada...

Enfim, dei-me conta de que estão velhos, e o que é pior, de que não estão a envelhecer bem, o que não é novidade, mas está-se a tornar mais evidente e premente a cada dia que passa.

A relação com os nossos pais é dos processos psicológicos mais difíceis por que temos que passar na vida, mesmo quando as coisas correm bem, pois um dia essa relação terá que terminar abruptamente. Apesar de sermos todos indivíduos que querem viver o melhor possível as suas vidas, às vezes as relações familiares são a pedra no sapato que não nos deixa ser felizes e o osso duro de roer que nos acompanha ao longo do nosso crescimento físico e especialmente emocional.

É certo que não pedimos para nascer, mas também é verdade que os nossos pais não pediram para ter os pais que tiveram e aquilo que a vida nos demonstra é que por mais que nós queiramos ser melhores do que os nossos pais há uma herança genética e outra cultural que nos determina e que se for excelente, tanto melhor, mas se for resultado de uma infância traumática ou tão só marcada pela ausência de um modelo parental, parece ser decisiva para um caminho pessoal e familiar cheio de dificuldades. E que se reproduz de geração em geração, sendo necessário um esforço imenso de auto-análise e às vezes de ajuda terapêutica para se conseguir formar uma família mais funcional e equilibrada do que foi a dos nossos progenitores.

Apesar de tudo o que é hoje a minha família, acho que os meus pais conseguiram dar um salto qualitativo em relação à sua família de origem, pois foram pais dedicados às filhas, fazendo todos os sacrifícios para o seu bem-estar, talvez até demais... 

Lembro-me muito bem que o meu pai colocou as filhas e a mulher sempre em primeiro plano em detrimento da sua carreira profissional e o melhor exemplo disso são as tardes em que ele saía do trabalho às 16h30 para ir ter connosco ao jardim ou ao parque infantil, em vez de ficar no trabalho até mais tarde, tal como faziam os seus colegas na expetativa de uma futura promoção.

Sim, porque o meu pai foi um pai sempre presente: nas explicações de matemática e de educação visual (não posso contar isto ao meu filho), no acompanhamento das reuniões de escola, nas noites de tosse sem dormir, nas tardes de domingo a ver televisão, na partilha de muitas leituras e livros policiais na adolescência, nos jogos de paciências e master mind e de tantos outros momentos do quotidiano familiar que eu adorava e que me fizeram adorá-lo....

Se eu pensar agora o que herdei do meu pai não tenho dúvidas em dizer que herdei o gosto pela leitura, o sentido de honestidade, a integridade moral, uma ética de excelência e a valorização extrema da lealdade! Áh, e claro o espírito de sacrifício e de dever. Não foi uma herança pequena!

Já a minha mãe, simplesmente sacrificou a sua recém conquistada liberdade, conseguida atráves de uma ainda incipiente mas muito almejada carreira, para criar as suas filhas, numa época em que ser mãe e profissional ainda não era bem visto pela sociedade e a pressão social era no sentido de a mulher ser dona de casa e mãe, principalmente no caso das que não tivessem necessidade económica de trabalhar. E aparentemente ela não tinha. Foi para casa ter uma filha e depois a outra e quando um dia sentiu que queria voltar ao trabalho, já não conseguiu, tinha sido ultrapassada pelas circunstâncias da sua vida e do mundo do trabalho em constante evolução. Ainda estudou um pouco mais, fez alguns cursos de artes decorativas, cantou num coro juntamente com o meu pai, e depois desistiu de lutar, apanhada nas teias de uma depressão que nunca mais a abandonou e que transformou a sua vida num inferno de recriminações e de doenças mais ou menos psicossomáticas. 

Da minha mãe também herdei muita coisa! A principal: o gosto pela natureza, pelos animais, pelas plantas e por todo o universo, pois para ela o mundo já foi muito pequeno, tal como para mim o é hoje, e a ânsia de viajar e conhecer outros mundos que a levou aos 20 e poucos anos a querer ficar em África é a mesma que eu sinto e que me faz querer partir sempre que posso. O espírito de aventura é dela, como quando me ensinou a nadar e a confiar na nossa intuição, flutuando na água e indo para fora de pé até onde as pessoas fossem apenas um pontinho na areia da praia. O temperamento reivindicativo, a não submissão, a luta contra as injustiças e o espírito revolucionário também vieram dela e é por isso que eu continuo a querer mudar o mundo...

É pena, eles já foram tanto, e agora apenas vejo duas pessoas tristes, sem objetivos, sem propósitos na vida, a não ser viver um pouco através das alegrias que as filhas e os netos lhes dão, mas mesmo isso sem muito ânimo ou força que os faça vibrar de novo com energia e folêgo para continuar essa grande aventura que é viver. E isto moi-me, dá cabo de mim e faz-me desesperar porque a vontade é abaná-los e gritar-lhes que não desistam de novo, que ainda há tanto para fazer, para ser, para viver!

Mas a vida é deles e a única coisa que posso fazer é pegar em tudo aquilo que eles deixaram em mim e viver por eles, continuar em frente, sempre a lutar pelos meus sonhos e a acreditar que eu e o meu filho vamos conseguir tornar este mundo um sítio melhor para se viver...